Coordenadoria de Comunicação Social

Universidade Federal de Pelotas

Homenagem ao Prof. Emérito da UFPel, Alberto Rufino R. R. de Souza

23 de Maio de 2010

UM PARADIGMA CHAMADO ALBERTO SOUZA

                                                              Clayton Rocha

Se somos aquilo que lembramos, peço licença ao leitor para retroceder no tempo: corre o eletrizante  ano de 1973. Na sala de aula da Faculdade de Direito ele estabelece uma relação de cumplicidade com seus alunos. Tem o gesto comedido, o passo cadenciado, uma voz pausada, um discorrer nem impetuoso, nem emocionado, palavras ponderadas carregadas de saber jurídico. Foi um homem que fixou residência na sala de aula. E o fez movido pelas suas próprias convicções, ciente de que nada temos nosso senão a nossa vontade. Ele sabia que a doença leva a saúde e a vida. E que as riquezas nos são arrancadas pela violência enquanto os talentos do espírito dependem da disposição do corpo.  E foi por conta dessa sua compreensão da vida que ele colocou toda a sua energia circunscrita à sala de aula, ao endereço de suas crenças, em benefício daqueles que foram a sua razão de viver.

 A boa lembrança desse trabalhador infatigável do Direito Penal, que passa, sobretudo, pela obra “O Estado de Necessidade”, tese que tornou-se referência nacional, num livro obrigatório para qualquer estudioso ou jurista que queira tratar sobre o tema, também o faz renascer nas suas interpretações, no exemplo deixado, no conteúdo que é a síntese de seu saber. Por tais razões, por sinal referidas com raro brilho pelo professor José Rodrigues Gomes Neto, o colega que o saudou comovidamente em suas despedidas, Alberto Rodrigues de Souza fez do Direito o seu sacerdócio. Da sala de aula, sua desgastante e suave obsessão. E de sua trajetória, a determinação de salvar liberdades e honras, buscando a cura de feridas abertas na alma dos injustiçados. Por tudo isto, o penalista da UFPel e UCPel não vai. Fica. Não desaparece, ilumina-se. Não se apaga, perpetua-se. Não deixa um vazio na ausência, pois ocupa todos os espaços da boa lembrança.  Ele cristaliza-se nesse cenário que acolhe professor e aluno. Ele prossegue, porque não se despede. Ele retorna de um outro jeito, num outro formato, no formato de uma idéia quem sabe, para ser apreciado mais uma vez naquele púlpito luminoso no qual  exibiu todo o seu conhecimento.

Ele, que ensinara a tantos, em tantas turmas e em tantas décadas, cuja voz e saber jurídico ficaram guardados no íntimo agradecido de cada um de nós, os seus alunos, agora suportara com elevação espiritual  seu calvário de seis meses, inesperado, surpreendente, arrasador. Aos 77 anos, neste que seria o seu bendito tempo de escrever, haveria de – sem nenhuma queixa – sacrificar seu corpo para compreender o grande mistério. E reservaria para os instantes derradeiros, ao lado de sua mulher, a incansável e amorosa Dona Léa, uma frase síntese de todo o seu apostolado. Ele diria,  na lucidez de seu adeus, aquilo que o eterniza como educador e o agiganta diante de nós: - “Ah, os meus alunos! Os meus queridos alunos!”, naquelas que foram as suas últimas palavras.

Alberto: os teus alunos te retribuem agora, através deste texto, pelo teu gesto de profundo apreço que tanto nos comove. Nem de longe podes imaginar o quanto te somos agradecidos. Hoje já sabemos que o mundo dos homens experientes e maduros é um mundo onde contam mais os afetos que os conceitos. E se estás entre nós como referência e como idéia, sintonizado em pensamentos e em estímulos jurídicos, tuas aulas não serão interrompidas, tua ausência não será notada, teu vulto jamais abandonará a nossa retina.

Peço licença ao Eduardo Galeano para dizer-te, em nome da ATB-1977, e em nome de todas as outras turmas da Casa de Bruno de Mendonça Lima, que já estamos levando muito a sério o significado de todas estas vidas, as nossas próprias vidas, de tantas décadas e de tanto tempo, ora  refletidas nos espelhos. E estes espelhos estão cheios de gente, Alberto! Nestes espelhos reflete-se a nossa história. O que há de exemplar. O que há de desprezível. Méritos e pobrezas. Simplicidade e soberba. Virtudes e covardias. Neles, os invisíveis nos vêem. Os esquecidos se lembram de nós. Os sofridos têm um olhar piedoso. Os injustiçados nos observam. Os pobres de espírito agora compreendem. Os homens de bem estão em paz. Quando nos vemos, os vemos. Quando nos vamos, se vão?

Seção: Notícias