Cientista brasileiro coordena série especial da renomada revista britânica The Lancet sobre atividade física; publicação contém análises inéditas que quantificam o impacto global da inatividade física sobre as principais doenças crônicas não-transmissíveis, como doenças cardiovasculares, hipertensão arterial, diabete tipo 2 e alguns tipos de câncer
Nesta quarta-feira(18), às vésperas dos Jogos Olímpicos de Londres, a revista britânica The Lancet publica edição especial sobre saúde e atividade física no mundo. Paradoxalmente, durante os Jogos Olímpicos de 2012, enquanto a elite do esporte e do atletismo mundial realiza atividades de desempenho físico extraordinário, uma média de 31% dos adultos e 80% dos adolescentes do mundo não despendem, em suas vidas cotidianas, o mínimo necessário de energia física diária para manter a saúde do organismo em equilíbrio.
Os dados são alarmantes. Segundo a publicação, coordenada pelo cientista brasileiro Pedro Curi Hallal (foto), do Centro de Pesquisas Epidemiológicas da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), a inatividade física é a causa de uma em cada dez mortes no mundo. Ou seja: o impacto da inatividade sobre a saúde da população em nível mundial tem efeito comparável ao do tabagismo, fator reconhecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como prioridade de atenção em saúde pública.
Elaborado por um grupo internacional de pesquisadores, o relatório descreve os níveis de atividade física de adultos de 122 países e adolescentes de 105 países de alta, baixa e média rendas. Mundialmente, 1/3 dos adultos (equivalente a 1,5 bilhão de indivíduos) são fisicamente inativos, isto é, não atingem a recomendação mínima da OMS para a idade: pelo menos 2,5 horas semanais de exercícios aeróbicos moderados, como a caminhada rápida, por exemplo. A situação entre os adolescentes é ainda mais preocupante: quatro em cada cinco adolescentes de 13 a 15 anos se exercitam menos do que o mínimo recomendado para a faixa etária – uma hora de atividade física por dia.
Na maioria dos países, os dados revelam que as mulheres são mais inativas dos que os homens (34% e 28%, respectivamente); os adultos mais jovens são mais ativos que os adultos mais velhos; e os países de alta renda são os mais inativos. A distribuição da inatividade física no mundo, no entanto, varia bastante de acordo com a região: de 17%, no Sudeste Asiático, a 43% nas Américas. O resultado é um cenário classificado de “pandemia da inatividade física” pelo pesquisador e colaborador da série, Harold W. Kohl, do Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Texas, EUA.
Pela primeira vez, as novas análises, conduzidas com base em dados reunidos por país, quantificam o impacto da inatividade física sobre a ocorrência das principais doenças não transmissíveis. Por meio do cálculo da medida conhecida como fração atribuível populacional (FAP), usada por epidemiologistas para estimar o efeito de determinado fator de risco sobre a incidência de doença, os pesquisadores apontam que a inatividade física é responsável por 6% das ocorrências de doenças cardiovasculares (variando de 3-2% no Sudeste Asiático a 7-8% no Leste Mediterrâneo), por 7% das ocorrências de diabete tipo 2, por 10% dos casos de câncer de mama e 10% dos casos de câncer de cólon, e por 9% das mortes prematuras, ou seja, mais de 5,3 milhões das 57 milhões de mortes ocorridas no mundo em 2008.
A título de ilustração, os dados mostram que reduções da ordem de 10% e 15% nos níveis de inatividade física mundiais representariam, respectivamente, mais de 533 mil e 1,3 milhão de mortes que poderiam ser evitadas a cada ano.
Embora a questão sobre a prática de atividade física na população seja multifatorial e complexa, é fato que a revolução tecnológica empreendida pelas sociedades contemporâneas globalizadas, sem contrapartida de planejamento urbano e estratégias de saúde pública paralelos, produz estilos de vida cada vez mais propensos à inatividade. De um lado, análise detalhada de dados dos EUA mostra que o gasto energético diário em atividades relativas ao trabalho apresentou redução maior do que 100 calorias/dia, nos últimos 50 anos. De outro, a infraestrutura urbana, os sistemas de transporte e a cultura predominante nos centros urbanos geralmente induzem os cidadãos a optar por meios de transporte passivos (apenas 12% dos brasileiros deslocam-se a pé ou de bicicleta para o trabalho, por exemplo) e por práticas de entretenimento sedentárias durante o tempo livre. No entanto, a constituição biológica, o metabolismo corporal e a compleição muscular e esquelética dos seres humanos continuam a requerer gastos de energia em trabalho físico diário, para funcionar de forma saudável e equilibrada.
Desde a década de 50, a ciência produz conhecimento suficiente e dados de pesquisa que comprovam os benefícios da prática de atividade física para a saúde geral das pessoas. Levar uma vida fisicamente ativa reduz as chances de ocorrência de doenças cardiovasculares, hipertensão arterial, infarto, diabete tipo 2, câncer de mama, câncer de cólon, depressão e síndrome metabólica. Além disso, melhora a função cardiorrespiratória e muscular, a composição corporal, a saúde óssea, a autoestima e o desempenho cognitivo do indivíduo.
Portanto, não se trata tão somente de práticas de esportes e exercícios físicos. Trata-se de uma dimensão social que, além de estar ligada à prevenção de doenças crônicas não-transmissíveis (que têm sido a principal causa de morte no Brasil), diz respeito ao bem-estar geral das pessoas e à constituição de capital humano populacional.
Edição online Lancet:
http://www.thelancet.com/series/physical-activity